Imagine a seguinte cena: você realiza um transporte de ponta a ponta, enfrenta o trânsito, as estradas, cumpre o prazo e, ao final, entrega a mercadoria. Dias depois, recebe uma cobrança por uma avaria ou perda que você tem certeza que não causou. E agora? Antes de aceitar qualquer prejuízo, é fundamental que você, caminhoneiro ou transportador, conheça seus direitos. A lei está do seu lado em muitas situações, e entender isso pode salvar sua empresa de custos indevidos.
A Regra Geral: O Início e o Fim da Sua Responsabilidade (Art. 9º)
A Lei nº 11.442/2007, que rege o transporte rodoviário de cargas no Brasil, é muito clara. O Artigo 9º estabelece que a responsabilidade do transportador sobre a carga começa exatamente no momento em que ele a recebe e termina apenas quando a entrega ao destinatário.
Isso é o que no direito chamamos de responsabilidade objetiva. Ou seja, durante todo o trajeto, se algo acontecer com a mercadoria (avaria, perda, extravio), a presunção inicial é de que a responsabilidade é sua.
O Ponto-Chave: Essa grande responsabilidade, no entanto, tem um ponto final bem definido. Ela cessa completamente quando o destinatário recebe a carga sem fazer qualquer protesto ou ressalva.
O que isso significa na prática? Aquele “canhoto” assinado no Conhecimento de Transporte (CT-e) ou na Nota Fiscal sem nenhuma anotação sobre problemas é a sua maior prova. Se o recebedor assinou, conferiu e não reclamou de nada no ato da entrega, a lei entende que a mercadoria foi entregue em perfeitas condições. A responsabilidade, naquele momento, deixa de ser sua e passa a ser do destinatário.
As Exceções que Podem Salvar Seu Bolso: As Excludentes de Responsabilidade (Art. 12)
“Ok, mas e se o problema acontecer durante a viagem? E se for um roubo? Ou se a embalagem do cliente era ruim?” É aqui que entra o Art. 12 da mesma lei, um dos artigos mais importantes para a sua defesa. Ele lista situações específicas em que, mesmo que ocorra um dano à carga sob sua posse, a responsabilidade não será do transportador. Vamos ver as principais:
- Inadequação da Embalagem (Culpa do Expedidor): Se a carga foi danificada porque a embalagem fornecida pelo remetente (quem te contratou) era frágil, inadequada ou insuficiente para proteger o produto, a culpa não é sua. Exemplo: transportar peças de vidro envoltas apens em plástico fino, sem a devida proteção.
- Força Maior ou Caso Fortuito: São eventos imprevisíveis ou inevitáveis, totalmente fora do seu controle.
Exemplos Comuns: Desastres naturais como uma enchente que inunda o baú, um deslizamento de terra que atinge o veículo, ou um raio que causa um incêndio. O roubo de carga mediante grave ameaça (assalto com arma de fogo), em muitos casos, também é considerado força maior, pois é um ato inevitável para o motorista.
- Vício Próprio ou Oculto da Carga: A mercadoria tinha um problema “invisível” que causou o dano por si só.
Exemplo: Um lote de frutas que, por já estar contaminado antes do embarque, amadurece e estraga muito mais rápido do que o previsto, mesmo com a refrigeração correta.
- Manuseio, Embarque ou Descarga Feitos pelo Cliente: Se a operação de carregar ou descarregar o caminhão foi executada diretamente pelo expedidor ou pelo destinatário (ou por funcionários deles) e o dano ocorreu nesse momento, a responsabilidade é de quem realizou a operação.
Exemplo: O operador de empilhadeira do destinatário, ao retirar um palete do seu caminhão, derruba e danifica a mercadoria.
- Ato ou Fato Culpável do Expedidor ou Destinatário: Qualquer outra ação ou omissão do seu cliente que tenha causado o problema.
Exemplo: O expedidor declarou um peso muito menor do que o real, causando problemas na amarração e na estabilidade da carga, que acabou tombando dentro do baú.
Conclusão: Conheça Seus Direitos e Proteja Seu Trabalho
Portanto, se você está sendo responsabilizado por um acidente, perda, avaria na carga, roubo ou algo do gênero, respire fundo. Antes de assumir a culpa e o prejuízo, verifique se a sua situação não se enquadra em um desses pontos. A lei prevê mecanismos para te proteger de responsabilidades que não são suas. A assinatura do canhoto sem ressalvas é sua primeira linha de defesa, e as excludentes do Artigo 12 são suas ferramentas para contestar cobranças indevidas. FONTE: https://sl1nk.com/DKZfv